Reforma da Previdência aprofunda desigualdades entre homens e mulheres

Via cfemea

A análise da proposta de Reforma da Previdência – encaminhada pelo governo à Câmara dos Deputados em 6 de dezembro – indica que as desigualdades entre homens e mulheres serão aprofundadas. De acordo com a proposta de emenda constitucional (PEC) haverá equiparação dos critérios de idade e tempo de contribuição. Assim, mulheres, professores e trabalhadores rurais perderão os dois requisitos que atualmente os diferenciam para efeito de aposentadoria: idade e tempo de contribuição.

Afirmar que essa equiparação é justa – afinal trataria de forma paritária todos os trabalhadores – desconsidera, na verdade, todas as desigualdades do mercado de trabalho. E, ao não enfrentá-las, aprofunda-as no momento da aposentadoria. O diferencial entre homens e mulheres na previdência social é o único mecanismo a reconhecer a divisão sexual do trabalho, que destina às mulheres piores salários, piores condições de trabalho e maiores responsabilidades do trabalho não remunerado.

“Não faz sentido desvincular a realidade do mercado de trabalho da previdência social. Se aprovar essa PEC, o Brasil vai acabar com o único mecanismo compensatório para as mulheres, sem ter solucionado as desigualdades no mundo do trabalho,” afirma a assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) Natalia Mori.

Relatório apresentado este ano pelo Fórum Econômico Mundial coloca na 79ª posição do índice global, entre os 144 países avaliados, na participação política e econômica das mulheres. O índice de participação econômica e oportunidades é de 64%. Estima-se que, no ritmo de 2015, países como o Brasil demorem 170 anos para alcançar a igualdade econômica entre mulheres e homens.

Essa menor participação econômica e consequente menor capacidade contributiva para a previdência social relaciona-se diretamente aos diferentes papeis sociais que homens e mulheres desempenham no trabalho.

– Mulheres ocupam postos mais precários

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2014, a permanência das mulheres no mercado de trabalho formal é menor. Elas ficam em média 37 meses no mesmo trabalho, período inferior ao dos homens, que é de 41,7 meses.

– Mulheres sofrem mais com a segunda jornada

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2014, 90,6% das mulheres brasileiras realizam afazeres domésticos. Entre os homens, esse percentual fica nos 51,35%. Entre elas, a média é de 21,35 horas semanais dedicadas ao trabalho de cuidados sem remuneração. Para eles, é menos da metade disso (10 horas).

Essa dupla jornada limita as possibilidades de ascensão profissional das mulheres e, com isso, a elevação da sua remuneração. “Como têm menor poder de contribuição e dependem da sua idade ou da morte do cônjuge para obter o benefício, as mulheres recebem um benefício médio menor”, explica a assessora do Dieese Lilian Arruda.

Apesar de receberem 56,9% do total de benefícios previdenciários emitidos, conforme dados de 2015, as mulheres ficam com 52% dos valores. Isto é, apesar de ficarem menos tempo aposentados, os homens recebem mais.

NEGRAS E RURAIS AINDA MAIS VULNERÁVEIS

A pesquisa Mulheres e trabalho: breve análise do período 2004-2014, elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram disparidades entre os diferentes grupos de mulheres. No último ano da análise, 39,1% das mulheres negras ainda ocupavam postos precários. Como trabalhadores precários, estão os com renda de até dois salários mínimos e com as seguintes posições na ocupação: sem carteira assinada, ou construção para próprio uso, conta-própria (urbano), empregador com até 5 empregados (urbano), produção para próprio consumo (urbano) e não-remunerados (urbano).

“Mesmo ante uma conjuntura de crescimento econômico e de ampliação da ‘formalização’ das relações de trabalho, não houve reversão do quadro de divisão sexual e racial do trabalho”, afirma o documento. Uma parte significativa das mulheres negras que ingressaram no mundo do trabalho tiveram nos contratos atípicos, na terceirização ou no autoempresariamento precário a sua via de acesso.

Se as mulheres negras estão nas piores ocupações, expostas a menos tempo de descanso, já que não têm assegurados direitos como descansos semanais e férias, por exemplo, em que condições de saúde conseguem chegar aos 65 anos?

No caso das mulheres rurais, as perdas vêm por dois lados. A equiparação entre rurais e urbanos desconsidera o volume e condições  de trabalho diário a que estão submetidos e a idade em que começam a auxiliar na produção familiar. A equiparação entre homens e mulheres desconsidera o maior volume de trabalho doméstico sem remuneração em relação aos homens.

Entre as mulheres que se dedicam à atividade agrícola, 97,6% realizam afazeres domésticos, enquanto os homens, apenas 48,22% realizam. Elas dedicam, em média, 28,01 horas semanais a esse trabalho. É quase um terço a mais que a média das mulheres e quase três vezes mais que os homens na mesma atividade econômica.

Esse cenário, na avaliação do pesquisador da área de gênero e raça do Ipea Antonio Teixeira, revela que o esforço da reforma é o de aproximar o tempo de aposentadoria com o tempo de morte.

“Com os processos de adoecimento físicos e psíquicos advindos das relações precárias, o plano parece ser o de obrigar algumas pessoas, cidadãs e cidadãos mais vulneráveis, a dedicar todo o tempo de vida a serem exploradas pelo trabalho”, afirma. O que restará após a aposentadoria?

MUDANÇAS INEFETIVAS

No caso das mulheres rurais, apesar de responderem por 17,2% dos benefícios previdenciários, em 2015, ficam com apenas 12,1% do total de valores. De forma que o impacto das mudanças de sua aposentadoria sequer refletiriam grande ganhos na reforma, segundo explica Lilian Arruda, assessora do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). 

Para ela, no curto prazo, não é indicado realizar uma reforma da previdência para resolver um problema conjuntural, de crise econômica e fiscal. De toda forma, é importante avaliar os impactos das mudanças demográficas e as possíveis necessidades de ajustes para o longo prazo, portanto, para gerações futuras. “Não só na previdência, mas também na saúde, educação e assistência, observando, sempre, a grande desigualdade da sociedade brasileira”, ressalta a especialista.

Isso deve ocorrer a partir de um amplo debate/consenso na sociedade, para que tenha legitimidade, levando em conta não só a conta das despesas, mas, principalmente a arrecadação, com sua benesses intocadas. “Uma reforma tributária progressiva, onde os ricos paguem mais que os pobres, deveria preceder toda essa discussão”, a Lilian.

Importante lembrar que, na primeira comissão em que tramitou na Câmara dos Deputados, a PEC da Reforma da Previdência teve parecer favorável anunciado em menos de 24 horas. O relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), garantiu, na quarta-feira (9), admissibilidade da proposta apresentada pelo governo à Casa um dia antes.

 

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