Por Guilherme Santos Mello*
A proposta do governo Bolsonaro para a previdência (e assistência social) não pode ser chamada de “reforma”. Seu objetivo não é melhorar o regime atualmente existente, como aconteceria em uma reforma, mas demolir as bases do atual sistema de seguridade social, substituindo-o por um sistema de capitalização privado. Na prática, isso significa a mudança do princípio da solidariedade social pela lógica individual, substituindo-se a ideia de “um por todos e todos por um” pelo lema “cada um por si e Deus (acima) por todos”.
Para pôr em prática a demolição, o plano de Bolsonaro prevê um processo de esfacelamento gradual do atual regime de repartição até sua provável extinção, enquanto os regimes de capitalização privados e públicos se fortalecem. A lógica é simples: se a previdência atual se tornar tão desinteressante a ponto de quase ninguém optar por contribuir para ela, sobrará apenas os regimes de capitalização, em que somente quem recebe bons salários irá de fato participar.
Em 2015, 60% das pessoas aposentadas por idade não conseguiram comprovar 20 anos de contribuição. Ou seja, a maioria dos aposentados brasileiros se aposenta com 65 anos conseguindo comprovar, com grande esforço, 15 anos de contribuição para a previdência. No atual projeto de Bolsonaro, esses milhões de brasileiros, em sua maioria composta de trabalhadores de baixa remuneração, estariam sem receber aposentadoria, transformando-os e a suas famílias em pobres.
Mas a crueldade não para por aí: os poucos que conseguirem, em um mercado de trabalho cada vez mais disputado, informal e com menos bons empregos, comprovar 20 anos de contribuição, receberão apenas 60% da média de seus salários. Caso um trabalhador se aposente com contribuições que lhe dariam direito a receber um benefício no valor de R$ 2000, na proposta de Bolsonaro ele receberá apenas 60% desse valor, tendo como limite inferior o salário mínimo. Ou seja, a renda dos trabalhadores irá sofrer uma abrupta redução no momento da aposentadoria.
Se estivermos falando de um trabalhador rural, a situação se complica ainda mais. A reforma de Bolsonaro praticamente inviabiliza a aposentadoria do trabalhador pobre do campo, exigindo a comprovação de 20 anos de contribuição com um valor mínimo de R$ 600 reais, completamente incompatível com a realidade dos camponeses, marcada pela informalidade e pelo baixo rendimento.
Alguém poderá dizer: mas se o trabalhador for muito pobre e não conseguir comprovar 20 anos de contribuição poderá pedir um benefício assistencial (o chamado Benefício de Prestação Continuada) e receber um salário mínimo. Mas a cruel proposta de Bolsonaro também retira esse direito dos brasileiros, já que estabelece a idade de 70 anos para que o pobre receba o valor de um salário mínimo. Antes disso, o trabalhador poderá receber um benefício de R$ 400 a partir dos 60, sem nenhuma previsão de reajuste desse valor pela inflação.
E os ricos, como ficam nisso? De fato, a única boa notícia da proposta apresentada por Bolsonaro é que os salários mais altos pagarão alíquotas maiores para a previdência e que alguns terão que se aposentar mais tarde. O que a proposta não diz, no entanto, é que muitos dos trabalhadores mais ricos irão optar por não contribuir com a previdência pública, devido à liberalização da pejotização e da terceirização feita pela reforma trabalhista de Temer. Ou seja, os ricos encontrarão uma forma de se proteger, tornando-se PJ e pagando uma previdência privada, enquanto os pobres estarão submetidos a regras cruéis da moribunda previdência pública, que quando não impedem sua aposentadoria, reduzem significativamente sua renda.
Diante da perspectiva de não conseguir se aposentar, muitos trabalhadores também irão optar por não contribuir com a previdência, aumentando a informalidade e a precarização. A combinação de regime de capitalização com a criação da chamada “carteira verde e amarela” prometida por Bolsonaro será o golpe de morte na seguridade social brasileira, instituindo de uma vez por todas a era dos “sem direitos”. A redução dos gastos com aposentadoria virá de mãos dadas com a redução das receitas previdenciárias, o que poderá alterar significativamente a previsão ilusória de ganhos fiscais da proposta de Bolsonaro.
Se o trabalhador brasileiro sobreviver ao desemprego, à violência (inclusive policial) e aos cada vez mais precários serviços públicos, terá como prêmio uma velhice miserável. Felizes estarão apenas os bancos, que irão ganhar muito dinheiro administrando e cobrando taxas dos trabalhadores que tiverem condições de optar pela previdência privada.
*Guilherme Santos Mello é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON-UNICAMP).
Fonte: Brasil Debate